O governo Lula (PT) estuda a criação de um voucher para permitir que famílias pobres possam comprar até 2 quilos de carne bovina por mês. A ideia foi apresentada por um grupo de pecuaristas de Mato Grosso do Sul (MS) ao ministro Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) numa reunião em Brasília. O nome provisório, sugerido pelos próprios pecuaristas, é “Programa Carne no Prato”.
Teixeira disse ter encaminhado a proposta para análise da Casa Civil e do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Os pecuaristas, entre eles Guilherme Bumlai, filho do empresário José Carlos Bumlai, amigo de Lula e condenado na Lava Jato, acreditam que o projeto possa beneficiar até 19,5 milhões de pessoas, criando a demanda por mais 2,3 milhões de cabeças de gado ao ano. A proposta é questionada por especialistas.
O encontro entre Paulo Teixeira e os pecuaristas aconteceu no dia 17 de agosto passado, na sede do ministério em Brasília. A comitiva dos criadores incluiu o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Mato Grosso do Sul (Famasul), Marcelo Bertoni; e o presidente da Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul (Acrissul), Guilherme Bumlai. Guilherme é filho de José Carlos Bumlai, pecuarista amigo de Lula que foi condenado a 9 anos de prisão na Lava Jato por obter e quitar de forma fraudulenta empréstimo no Banco Schahin e ainda por envolvimento em solicitação de vantagem indevida vinculada a contrato da Petrobras com o Grupo Schain.
A proposta inicial, conta Guilherme Bumlai, é a de que o voucher seja de R$ 35, suficiente para as famílias comprarem ao menos 2 quilos de carne por mês. A Acrissul calcula que até 19,5 milhões de pessoas poderiam ser beneficiadas. Inicialmente, só famílias inscritas no Cadastro Único dos Programas Sociais, o CadÚnico, como as que recebem o Bolsa Família, teriam acesso aos vouchers. Estes seriam usados exclusivamente para comprar carne bovina em supermercados e açougues conveniados. Segundo levantamento do Procon de São Paulo, o valor do preço da carne de 1ª fechou janeiro em R$ 38,26 e o de 2ª foi vendido a R$ 28,61.
“Nós recebemos essa proposta de produtores rurais, pecuaristas do Mato Grosso do Sul. Eles achavam que esse tema da carne pudesse ganhar o status de um benefício para dar condição de acesso aos beneficiários do Bolsa Família. Promover o acesso dos beneficiários do Bolsa Família à carne”, disse o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira (PT).
O ministro disse que repassou a proposta à Casa Civil e ao Ministério do Desenvolvimento Social. “Eu acho que tem que passar pelo MDS, que cuida de segurança alimentar e nutricional; tem que passar pelo crivo da Casa Civil. Para se tornar uma política pública, requer uma peneira, uma avaliação”, disse ele.
Guilherme Bumlai explica que o benefício funcionaria como um voucher. “A princípio, pensamos nas pessoas do CadÚnico. A ideia inicial é que os inscritos tenham um cartão, e que esse cartão seja para comprar carne nas redes conveniadas”. Apesar da sugestão de R$ 35, não há um valor fechado, diz ele. “Eu acho que a gente tem que trabalhar alguma coisa em torno de um quilo, um quilo e meio de carne”, diz.
O pecuarista afirma ainda que o consumo de carne bovina no Brasil está em queda há anos, ao contrário de outros tipos de proteína, como suínos e frango. Segundo ele, o programa serviria como um incentivo para o setor, que vem sofrendo com a recente queda no preço da arroba do boi, mesmo com os preços ainda elevados para o consumidor, os criadores são prejudicados pelos baixos preços do boi gordo, diz ele.
“Numa contabilidade simples, isso geraria uma demanda por 2,35 milhões de cabeças de gado por ano, ou seja, 8% dos animais atualmente abatidos por ano no Brasil. A nova demanda com o programa seria de 475 mil toneladas de carne bovina por ano. No ano passado, o Mato Grosso do Sul exportou 174 mil toneladas. Ou seja, a nova demanda representa duas vezes e meia a quantidade exportada pelo MS em um ano”, diz uma nota preparada pela Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul.
Em janeiro deste ano, o Bolsa Família atingia em torno de 21 milhões de lares, segundo informações do MDS. Se cada uma dessas famílias recebesse R$ 35 adicionais para comprar carne, o programa custaria aos cofres públicos cerca de R$ 8,8 bilhões por ano. A ideia do “Carne no Prato” foi bem recebida no Desenvolvimento Agrário, mas há dúvidas quanto a restringir as opções dos consumidores somente à carne bovina.
Para Marcelo Neri, economista, ex-presidente do IPEA e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), com pesquisa voltada para a avaliação de políticas sociais, não faz sentido limitar a proposta de incentivo ao consumo de carne vermelha, uma vez que outros tipos de proteína podem ter melhor custo-benefício.
“Se fosse um vale alimentação, a pessoa poderia selecionar entre vários alimentos. No caso desse vale picanha, você está limitando a escolha. Do ponto de vista dos consumidores, não faz muito sentido. Ele é bom para os produtores de carne, então a gente entende porque eles estão propondo. Mas, do ponto de vista dos consumidores e da gestão pública, não acho que faça muito sentido limitar a escolha. Não me parece que carne (vermelha) seja uma prioridade do ponto de vista da segurança alimentar. Carne de frango ou mesmo proteína de soja podem ser soluções mais custo-efetivas”, diz Neri. Além disso, diz ele, a criação de gado tem impactos ambientais que precisam ser levados em conta.
Na avaliação de Alcides Torres, engenheiro agrônomo pela Universidade de São Paulo (USP) e consultor especialista em pecuária de corte na Scot Consultoria, a ideia pode ser boa, desde que existam mecanismos para garantir que os beneficiários realmente usem o dinheiro para consumir proteínas. O nutriente é imprescindível para garantir o desenvolvimento físico e intelectual das crianças, por exemplo, e várias famílias têm dificuldade em comprar carne. Ele diz ainda que o preço pago aos produtores pelo boi gordo nos últimos anos está baixo. Esse valor, diz ele, praticamente não guarda relação com o que é cobrado nos supermercados e restaurantes.
O acesso à carne vermelha e a possibilidade de fazer um churrasco aos fins de semana foi um dos motes extraoficiais da campanha de Lula, durante a disputa eleitoral de 2022. “O povo tem que voltar a comer um churrasquinho, a comer uma picanha e tomar uma cervejinha”, disse o então presidenciável durante uma entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, em agosto de 2022. Logo depois da posse do petista, no começo de 2023, circularam notícias falsas dizendo que o governo iria distribuir “bolsa picanha” à população. Na cidade de Oeiras (PI), a prefeitura teve que divulgar uma nota desmentindo a existência do suposto programa
Estadão
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