Um montante de R$ 14 milhões em dinheiro público que deveria ir para uma empresa de tecnologia do governo federal foi desviado para outros lugares, caindo em contas abertas em nome de empresas e pessoas físicas diferentes. O recurso foi desviado do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Até o momento, só há informação de que R$ 2 milhões foram recuperados.
A suspeita é de que houve um ataque ao Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), que serve para pagar servidores públicos, fornecedores e efetuar transferências oficiais para Estados e municípios. A Polícia Federal investiga o caso e o inquérito está sob sigilo.
O dinheiro estava reservado para o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), empresa de tecnologia do governo federal, e deveria custear serviços de tecnologia da informação, suporte a sistemas eletrônicos e manutenção de bases de dados oficiais. Os recursos, porém, foram parar em contas em nome de empresas incluindo uma construtora, uma mineradora e uma vendedora de bebidas, além de pessoas físicas e beneficiários de programas sociais, conforme o Estadão apurou com integrantes do governo, pessoas que dizem ter sido alvo do golpe e dados do Portal da Transparência e do Siga Brasil.
No dia 28 de março, véspera do feriado de Páscoa, foram movimentados R$ 3,8 milhões do Ministério da Gestão que deveriam ir para o Serpro. O dinheiro, porém, foi parar em contas abertas no nome de três empresas diferentes: R$ 2 milhões em uma empresa de móveis de Campinas (SP), R$ 1 milhão em uma construtora do Rio de Janeiro e R$ 763,9 mil em uma gestora de investimentos, também na capital fluminense. O governo conseguiu recuperar R$ 2 milhões, mas o restante acabou sendo sacado ou transferido para outras contas. O ministério não se pronunciou.
No dia 16 de abril, um novo ataque ocorreu no sistema e desviou R$ 10,2 milhões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O dinheiro também deveria ir para o Serpro, mas parou em 14 contas diferentes, incluindo uma construtora em São Paulo, uma mineradora em Itaú de Minas (MG), uma empresa que vende água mineral em Una (BA) e sete pessoas físicas diferentes. Ainda não há informação se esse dinheiro foi recuperado ou perdido. Procurado, o TSE informou que o caso está sob investigação da Polícia Federal e corre em sigilo.
Do dinheiro da Justiça Eleitoral, R$ 5,5 milhões foram enviados para sete contas de pessoas físicas diferentes, todas elas abertas em Paulínia (SP), incluindo beneficiários do Bolsa Família e do auxílio emergencial na pandemia de covid-19. Um dos pagamentos, no valor de R$ 200 mil, foi rejeitado pelo Banco Central por erro no processamento do Pix. O restante acabou sendo efetivamente transferido. A suspeita é de que essas pessoas não receberam o dinheiro, mas tiveram os dados usados por criminosos para abrir as contas.
Um dos supostos beneficiários é Jonathan Coutinho, vendedor de ração para cachorro e gato em Ribeirão Preto (SP), que teria recebido R$ 1 milhão da Justiça Eleitoral no dia 16. Ele afirmou que foi vítima de um golpe. “Clonaram minha conta e fizeram o que fizeram. Agora, tem que achar quem fez isso, é o que eu mais quero”, disse Coutinho. Ele nega ter assinado alguma vez um contrato com o governo federal ou com o TSE. “Nunca mexi com esse povo”.
A realização de um pagamento para um fornecedor diferente do que estava previsto é atípico na administração pública. O dinheiro era para custear serviços de tecnologia para os órgãos, mas foi parar em empresas que não têm qualquer relação com o contrato. O Serpro afirmou à reportagem que todas as transações financeiras, tanto entradas quanto saídas, são conduzidas exclusivamente através das contas bancárias registradas no CNPJ do órgão. Ou seja, se o dinheiro caiu em contas diferentes, a suspeita de desvio aumenta.
A suspeita é de que houve roubo de dados de gestores financeiros e operadores de despesa dos órgãos federais para alterar o dado de quem ia receber o dinheiro, além de efetuar os pagamentos. A Polícia Federal coleta depoimentos de servidores que tiveram as informações violadas.
Outro suposto beneficiário de R$ 1 milhão é a empresa BRLPAY, de Belo Horizonte, que oferece sistemas de pagamentos para outras companhias. O dono da firma, Fernando Bicalho, disse que nunca recebeu o dinheiro e que não tem contratos com o governo federal. “Não estou nem sabendo disso. Vou atrás de informações”, afirmou. “Fui tentar abrir minha conta bancária agora e está bloqueada”
Estadão
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