Um ano após anunciar reajuste de 39% no valor da merenda escolar, o governo federal ainda enfrenta desafios para oferecer alimentação de qualidade a alunos da rede pública. Responsáveis por fiscalizar o prato dos estudantes, integrantes de conselhos estaduais de alimentação, ligados às secretarias municipais e estaduais de Educação, relatam problemas que vão da escassez de proteína nas refeições à má conservação de itens que acabam descartados. Além disso, com um mesmo valor para todos os estados, a qualidade do cardápio servido acaba bem diferente, com filé de tilápia em algumas escolas e pão seco em outras.
O Programa Nacional de Alimentação Escolar não recebia reajustes há seis anos e chegou a ser tema na campanha de 2022 do agora presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que chamou o valor repassado no governo Jair Bolsonaro, de R$ 0,36 por aluno, de “desumano”. Com o aumento em março do ano passado, passou para R$ 0,50 por estudante.
A atual gestão federal já repassou R$ 5,8 bilhões a estados e municípios, atendendo a 39 milhões de alunos no ano passado. Mesmo após a verba a mais, os problemas persistem.
Em Ceilândia, região administrativa de Brasília, alunos reclamam que na maioria dos dias recebem apenas um pão seco para comer pela manhã. Na hora do almoço, o prato é sempre carne suína. Eles contam que a quantidade é insuficiente para atender a todos.
‘Não presta atenção’
Lidiane Ribeiro, mãe de um aluno da rede pública do Distrito Federal, afirma que o filho de 11 anos é alérgico a carne de porco e muitos dias deixa de fazer as refeições na escola. Com fome, segundo Lidiane, o filho começou a ter crises de ansiedade e a relatar dor de estômago.
— Ele fica só com ovo, com carne de porco, sardinha. Tem semanas que chega em casa falando que não almoçou, não jantou, porque é só arroz misturado com sardinha, arroz com purê de sardinha, macarrão com sardinha, carne de porco. Ele reclama que está com fome, com dor de estômago, que não comeu e não prestou atenção na aula pensando na comida, diz.
Fiscal do Conselho de Alimentação Escolar do Distrito Federal, Samuel Fernandes afirma ser comum escolas ficarem sem frutas e legumes, além de pouca quantidade de itens básicos como arroz, óleo e macarrão. A má conservação dos alimentos também é recorrente.
— No ano passado, tivemos diversas denúncias e encontramos alimentos com problemas de larvas, carne com alto teor de gordura, repetição de alimento, elenca Fernandes.
Esse cenário difere de escolas no Plano Piloto, região nobre de Brasília. À programação alimentar de uma semana, na qual constava um cardápio variado para cada dia, com filé de tilápia, fruta, galinhada, salada e outros itens diversos.
Em nota, o governo do DF afirmou que segue “rigorosamente” as diretrizes estabelecidas pelo FNDE e que prioriza alimentos naturais ou minimamente processados. A administração afirmou também que a oferta de arroz já foi normalizada na unidade onde foram encontradas as larvas.
O valor enviado pelo governo segue uma base única de cálculo para todas as unidades da federação, de acordo com o número de alunos matriculados em cada nível de ensino. O repasse federal, no entanto, não representa o total dos investimentos. Estados e municípios são responsáveis pela maior parte da verba, o que causa diferenças na qualidade do que é servido nas merendas.
O método de distribuição é criticado pelo presidente do Fórum Nacional de Conselhos de Alimentação Escolar, Marcelo Colonato, para quem o modelo reforça disparidades entre regiões.
— Apesar de a lei federal determinar uma contrapartida, ela não estipula um valor. Regiões mais pobres têm dificuldade de completar o investimento na merenda escolar. Não deveria ser um valor universal de repasse, mas sim considerando as diferenças de cada região, defende.
A rede estadual do Rio de Janeiro é um reflexo da diferença na realidade da alimentação escolar, com um cenário de baixa variedade na oferta de alimentos para os alunos. O estado recebeu em 2024 um repasse de R$ 15,2 milhões até o momento e aparece no “top 10” do PNAE. Mas a presidente do Conselho Estadual de Alimentação Escolar do Rio de Janeiro, Sandra Helena Pedroso, aponta que a diferença no preço dos alimentos impacta também na desigualdade do cardápio servido em cada região do estado.
— A alimentação está cara. O que você faz com R$ 1 por dia para uma criança? E há diferenças discrepantes de uma região para outra. Em alguns locais, a criança não pode repetir, não há café da manhã todo dia, a fruta é servida duas vezes por semana.
A Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro afirmou em nota que investe R$ 128,7 milhões na alimentação escolar e preza pela alimentação saudável.
Exceção em Minas
O cenário não é o mesmo em todo o país. Minas Gerais, por exemplo, é citado como um caso positivo pelos conselheiros. A rede estadual de Minas tem 1,6 milhão de alunos matriculados em 2024 e recebeu, só este ano, R$ 37,2 milhões.
Presidente do Conselho de Alimentação das Escolas do Estado de Minas Gerais, Celia Carvalho diz que o governo estadual investe o dobro dos valores repassados pelo governo federal no PNAE, a fim de garantir qualidade e variedade e respeitar diferenças regionais.
— Minas tem grande extensão territorial, e a alimentação é bem variada. Temos frutas, proteínas diversas e alimentos regionais, como peixes, mandioca.
O governo de Minas afirmou ainda que tem aumentado exponencialmente o investimento em alimentação escolar e que estabeleceu um valor mínimo de referência de repasse para as unidades, “garantindo que todas as escolas estaduais recebam um montante adequado”. O FNDE, por sua vez, reforçou que os valores têm caráter suplementar
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