A segurança do abastecimento de energia no “horário de ponta” voltou a preocupar autoridades do setor, o que fica demonstrado em troca de ofícios nos últimos dias entre Operador Nacional do Sistema (ONS), Ministério de Minas e Energia (MME) e Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Por infeliz coincidência, o pico de consumo de eletricidade no país, entre 18h e 19h em dia útil nesta época do ano, ocorre quando a curva da geração solar tem forte declínio.

Essa situação, que já desafiava a segurança do sistema nos últimos anos, se agravou com a estiagem mais severa que atinge grandes hidrelétricas.

Na região Norte, a seca afeta pelo menos três usinas da Amazônia: Belo Monte, Jirau e Santo Antônio. Cada uma delas tem entregue diariamente volumes inferiores ao esperado pelo sistema elétrico.

O desafio de operação nessas circunstâncias foi reportado pelo ONS ao Ministério de Minas e Energia (MME) em ofício obtido pelo Valor. “Identificamos uma degradação das condições de atendimento decorrente da escassez hídrica na região Norte do país, levando a uma menor disponibilidade hidráulica nas usinas daquela região, cuja contribuição para o atendimento da ponta de carga é fundamental”, registrou o diretor-geral do Operador, Marcio Rea, em texto enviado ao secretário de planejamento do MME, Thiago Barral.

De acordo com o ONS, se nada for feito, “há perspectiva de esgotamento dos recursos para atendimento da ponta de carga no mês de outubro de 2024 e invasão da reserva operativa (RO) nos meses de novembro e dezembro de 2024”.

Um técnico de referência no setor explicou ao Valor que “reserva operativa” é, na prática, o último recurso que o sistema tem para recorrer em situações de contingência e não deve ser considerada para atender à demanda em condições normais.

Procurado, o ONS reconheceu que, ontem mesmo, o setor enfrentou um dia atípico que levou o custo marginal de operação (CMO) a bater em R$ 1.248 por megawatt-hora (MWh). Esse comportamento, confirmou o ONS, é justificado pelo “aumento da demanda e a menor disponibilidade de recursos hidráulicos, especialmente das usinas situadas no Norte do Brasil, situação esperada no decorrer da travessia do período seco”.

O órgão acrescentou ainda que, “em função desse cenário, e para atendimento ao horário de ponta, foi realizado despacho adicional, com o acionamento de parte do parque termelétrico”, o que influenciou no CMO, com impacto no preço de referência da energia negociada no mercado de curto prazo, o PLD.

Como solução, o órgão propôs a antecipação do início de suprimento da usina Termopernambuco, do grupo Neoenergia, a partir de outubro de 2024. A térmica já está pronta, pois foi contratada no leilão de reserva de capacidade de potência, realizado em 2021, na modalidade de “energia existente”, voltada para usinas concluídas, mas sem contratos de suprimento.

De acordo com o leilão, a Termopernambuco só entregaria energia ao sistema a partir de 2026. O ofício do ONS, com o pedido de antecipação, foi remetido pelo ministério à Aneel, que informou ao Valor já ter iniciado a “instrução processual” para garantir o quanto antes o suprimento.

Além disso, o posicionamento da agência reguladora indica que o órgão já iniciou a análise do custo variável unitário (CVU) para as usinas que hoje não têm valores de operação estabelecidos e poderão ser acionadas.

Informou ainda que também está buscando o “aprimoramento dos procedimentos” do programa de Resposta da Demanda, para estimular grandes indústrias a deslocar sua demanda por energia para fora do horário de ponta.

Questionada sobre a possibilidade de dar início à operação da usina, com 500 MW de potência, o grupo Neoenergia informou que o seu ativo está à disposição do sistema.

“A Termopernambuco está pronta para atender ao pedido do Ministério das Minas e Energia e do Operador Nacional do Sistema (ONS). A companhia reforça que a operação da usina é necessária à manutenção da segurança do sistema elétrico brasileiro”, disse a empresa.

Para se ter uma ideia do tamanho do desafio de operação, a geração solar entregava na última segunda-feira, por exemplo, quase 30 gigawatts (GW) ao meio-dia.

Esse volume caiu, às 18h30, para menos de 50 megawatts (MW) essa variação inclui estimativa da geração própria pelo consumidor com painel solar instalado no telhado, a geração distribuída (GD).

No instante seguinte, às 18h44, o consumo de eletricidade no país já se aproximava do seu patamar máximo no dia: 90,6 GW.

Ontem, de novo, o ONS se deparou com a situação em que conta com energia contratada de sobra, mas sem “potência” para garantir que não haverá corte de carga (blecaute) no suprimento devido às variações na entrega de energia pelas fontes renováveis.

Mesmo que a geração solar, no fim do dia, chame a atenção ao reduzir drasticamente sua oferta ao sistema, o grande volume de produção das usinas eólicas não confere segurança à operação dadas as oscilações na entrega da produção, que variam a todo momento com a intensidade dos ventos.

Nesses casos, resta ao Operador recorrer a todo e qualquer tipo de geração “firme” disponível, como hidrelétricas e térmica convencional ou nuclear. Essas, por outro lado, entregam energia sem variações

Fonte da noticia: Valor