No dia em que blindados militares desfilaram pela Praça dos Três
Poderes, numa ação considerada como pressão do governo contra o
Congresso pela aprovação do voto impresso, a Câmara rejeitou a proposta
de emenda à Constituição (PEC) que modificava o sistema eleitoral. Em
sessão marcada por discursos em defesa da democracia, a matéria — pivô
da crise entre o presidente Jair Bolsonaro e a cúpula do Judiciário —
obteve 229 votos favoráveis e 218 contrários, mas, para ser aprovada,
precisaria do apoio de pelo menos 308 deputados — o equivalente a três
quintos dos 513 parlamentares.
A
derrubada do texto, porém, não deve encerrar a discussão sobre mudanças
no processo eleitoral. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL),
aliado do Planalto, defendeu que os Três Poderes estabeleçam um diálogo
sobre possíveis medidas para aprimorar a auditagem dos votos
Nas últimas semanas, Bolsonaro tem atacado ministros do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF) e repetido
que não haverá eleições em 2022 sem voto impresso, em flagrante
desrespeito à Constituição. Sem apresentar provas, o chefe do Executivo
insiste em disseminar a informação falsa de que a urna eletrônica é
vulnerável a fraudes e não é auditável. Em razão das ameaças, ele passou
a ser investigado em inquéritos nos dois tribunais.
A
PEC 135/19, de autoria da deputada Bia Kicis (PSL-DF), previa que o
voto registrado pelo eleitor na urna eletrônica fosse imprimido em uma
urna indevassável, para fins de auditoria. A proposta foi levada para a
votação no plenário por decisão de Arthur Lira, mesmo depois de a
comissão especial do voto impresso rejeitar, na semana passada, o
parecer do relator, Filipe Barros (PSL-PR), favorável ao texto.
O
colegiado também aprovou um parecer do deputado Raul Henry (MDB-PE)
pelo arquivamento da matéria. Segundo o presidente da Câmara, a
manifestação do conjunto dos deputados da Casa era importante para
garantir “a tranquilidade das próximas eleições e para que possamos
trabalhar em paz até janeiro de 2023”.
Na
sessão de ontem, o PSL foi o único que apresentou requerimento para
adiar a votação — por cinco sessões plenárias. Já o líder do governo,
Ricardo Barros (PP-PR), tentou, ao lado do PSL, impedir que a discussão
da PEC fosse encerrada para que se iniciasse a votação. Ambos os pedidos
foram rejeitados.
Em seguida, líderes de 16
partidos orientaram as respectivas bancadas a votarem contra a proposta,
enquanto outros três encaminharam seus parlamentares no sentido
favorável ao texto. Outros seis líderes decidiram liberar seus deputados
para votarem como quisessem.
Durante a sessão
plenária, parlamentares de vários partidos protestaram contra o desfile
de blindados da Marinha na Esplanada dos Ministérios, ocorrido horas
antes com a participação de Bolsonaro. A maioria considerou que o evento
foi uma forma de o chefe do governo pressionar a Câmara pela aprovação
da PEC
Após a votação, Lira afirmou que o plenário cumpriu sua missão e
disse esperar que a discussão sobre o voto impresso na Câmara esteja
encerrada em definitivo. “Eu queria, mais uma vez, agradecer ao plenário
desta Casa pelo comportamento democrático de um problema que é tratado
por muitos com muita particularidade, com muita segurança. A democracia
do plenário desta Casa deu uma resposta a esse assunto. E, na Câmara, eu
espero que esse assunto esteja definitivamente enterrado”, destacou.
A
derrota da PEC já era dada como certa, inclusive pelo próprio Lira.
Horas antes da votação, ele defendeu que, caso a proposta fosse
rejeitada, Executivo, Legislativo e Judiciário se reunissem para
discutir a questão da auditagem dos votos nas eleições.
“Todos
os deputados que estão aqui foram eleitos pelo sistema de urna
eletrônica. Eu venho dizendo que já participei de oito eleições, seis
delas no sistema eletrônico. Eu não posso, nem devo, nem tenho prova
para dizer que o sistema não é correto, mas eu disse, também, que não
custa nada nós chegarmos a um acordo pacífico entre os Poderes de se
aumentar a auditagem das urnas”, enfatizou