Num debate na última quinta-feira (23), o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Luiz Carlos Ciocchi, afirmou que não vai haver um racionamento de energia elétrica em 2021. Ciocchi falava num momento em que a UTE, localizada em São João da Barra (RJ) e segunda maior térmica do País (com capacidade instalada de 1.344 MW), havia sido desligada depois de entrar em operação comercial uma semana antes de ter operado por apenas quatro dias.
O comportamento de Ciocchi tem sido quase um padrão de autoridades brasileiras depois que o quadro de produção de energia se agravou, no segundo semestre, e quando o Governo começou a admitir (tardiamente) a gravidade da situação do quadro de geração hidráulica no País ? responsável por 58,56% da produção nacional.
Antes dele, o ministro das Minas e Energia também insistiu no discurso de que no País, que vive o quadro de maior dificuldade de acumulação de água para geração de energia em 90 anos, não será necessário fazer nenhum tipo de racionamento. E de se recusar a admitir a possibilidade de apagão.
Um apagão, dentro daquela ideia do que aconteceu em Roraima, onde o estado passou quatro dias sem energia, com cidades inteiras às escuras, de fato, parece não haver mesmo possibilidade.
O Sistema de Transmissão ? ao qual Roraima não está integrado ? é capaz de suprir o mercado com o deslocamento de energia para os estados. Mas a necessidade de uma atitude mais compulsória por parte do governo é urgente.
O fato novo na crise hídrica vivida pelo Brasil em 2021 é a negação da gravidade do evento pelo governo Jair Bolsonaro.
FHC PAGOU CARO POR TRANSPARÊNCIA
Ele teme o custo político pago por Fernando Henrique Cardoso em 2001, quando assumiu a crise e o PSDB perdeu as eleições para Lula, que explorou a fragilidade do sistema de transmissão de energia. Em campanha para reeleição, o Governo Bolsonaro primeiro não entendeu a dimensão da crise, depois escondeu e, a seguir, passou a acreditar que ela seria contornada com geração térmica.
De fato, a crise está sendo gerenciada com a geração térmica. O problema foi o despacho das usinas quando as reservas hídricas estavam no limite e os custos explodiram. O custo do MWh na UTE, localizada em São João da Barra (RJ), por exemplo, é de R$ 604,34, quando uma usina que funciona dentro do sistema regulado como a Termopernambuco (Neoenergia) cobra R$ 138,86 o MWh.
Na ponta, isso quer dizer que o consumidor pagar mais R$ R$ 9,492 por cada 100 quilowatt usado. E uma perspectiva de que isso deve durar até o ano que vem. E que o próximo aumento será maior que o normalmente aplicado.
Mas a crise se revelou muito maior do que o governo agora admite, sem reconhecer a gravidade. Somente a partir de outubro o Governo vai permitir que os grandes consumidores sejam recompensados pela energia que deixarem de utilizar, pagando por essa energia de modo que ela seja deslocada para outros centros.
RESTRIÇÃO JÁ DEVERIA TER COMEÇADO
Segundo consenso no setor elétrico, essa medida deveria ter sido tomada desde julho, de modo a exigir menos energia. Afinal, o setor industrial consome 40% de toda a energia gerada no Brasil e poderia contribuir para não usar mais energia hidráulica.
Mas o próprio ONS, que insiste em não haver necessidade de racionamento, também não teve o mesmo comportamento de 2001, quando em agosto tratou das condições de atendimento eletroenergético do Sistema Interligado Nacional (SIN) até novembro de 2021.
E mesmo que tenha pedido a utilização de parte dos recursos alocados para reserva de potência operativa, não exigiu uma redução compulsória de energia. No relatório, porém, está à necessidade de viabilizar a operacionalização da UTE GNA I numa das medidas recomendadas.
Não é o ONS quem decide como a Aneel vai atuar. Ele é o operador. Mas parece claro que a crise e a posição do Governo em negar a dimensão do quadro interferiu na ação dos atores. Enquanto isso, a demanda por energia crescia.
Em julho, ela teve crescimento de 3,5%, em comparação com o mesmo período de 2020. A carga chegou a 65.519 MW médio.
Em 12 meses, apresentou uma variação positiva de 5,5%. Ou seja: era como se a crise não existisse. O problema da crise de energia que o Brasil começa, efetivamente, a viver a partir desta semana ? quando começa o período crítico entre outubro e dezembro ? é que o Governo Bolsonaro parece acreditar mais em São Pedro do que no que diz a pesquisa das séries históricas.
Na última quinta-feira, o que o Brasil tinha de energia armazenada em água nos reservatórios era 25,3%.
Na principal região produtora e consumidora formada pelos sistemas Sudeste e Centro-Oeste havia apenas 17,5%. Sem chuvas, o sistema brasileiro perde todo dia 0,1% de água capaz de gerar energia.
O Brasil paga hoje a conta de não cuidar dos reservatórios que, em 10 anos, tiveram cinco de seca. E de não apostar na geração de energia firme a partir de térmicas a gás natural para supervalorizar as energias eólica e solar.
O discurso verde é legal. Mas ele passa a imagem de que poderiam transformar o País com matriz totalmente renovável sem dizer para a sociedade que à noite e quando não tem vento, alguém tem que fornecer energia para o comércio, as indústrias e as residências das 17h às 22h
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