A utilização dos lixões, que é considerada um crime ambiental, está prestes a acabar em Pernambuco, que já descarta o seu lixo nos aterros sanitários em 88% do território, tendo como meta atingir o percentual total ainda em 2022. No entanto, este é apenas parte do desafio. Mesmo sem uso, as áreas dos antigos lixões continuam representando um risco para o meio ambiente e para a população, e precisam ser recuperadas: processo que só começou em sete deles no Estado.
O auditor do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE) Pedro Teixeira explicou que não há um número consolidado de quantos lixões há no Estado, apenas da quantidade de municípios que destinam os resíduos irregularmente — 21, segundo o último estudo divulgado pelo TCE, em fevereiro de 2022. “Tem município com mais de um lixão, e municípios que destinam para o mesmo”, explica. A estimativa é que haja mais de 100 espaços deste tipo no Estado.
Após anos de atividades, tais áreas desenvolvem alterações de propriedades ambientais, representando risco de saúde pública pela contaminação do solo por chorume e das águas subterrâneas. Por isso, os municípios precisam, a mando do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, tocar e financiar o processo de recuperação — que pode demorar até 20 anos e custar mais de um milhão de reais, a depender do estado do terreno.
Em Pernambuco, a maioria dos antigos lixões permanecem como áreas abandonadas, sem ao menos ter solicitado o Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD), segundo o engenheiro civil Bertrand Alencar, do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Pernambuco (CREA-PE). “Há grande risco de ocupação, e, consequentemente, de mortes. Isso porque ali tem uma massa heterogênea, sem estabilidade, então a chuva pode mover esse material e causar tragédias”.
“Primeiro visualizamos o encerramento do lixão, que já é um fator positivo para aquele local degradado. A partir daí iniciamos esse trabalho [de recuperação], que não é fácil. Só vi ações de remediação nesses municípios, mas cobramos nos outros. Na prática, os próprios municípios não procuram resolver a questão”, disse o chefe de fiscalização da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH), José Alberto Viana.
Para desenvolver o PRAD, é necessário um trabalho interdisciplinar formado por engenheiros, biólogos, geólogos, entre outros profissionais, que estudam a caracterização da área e do entorno, bem como os impactos que foram causados. Além disso, escolhem a proposta de recuperação, definem parâmetros de controle, detalham técnicas e ações a serem adotadas, preveem os insumos, custos e cronograma para execução e realizam a proposta de avaliação pós recuperação.
Ações só começaram a ser executadas no antigo lixão da Muribeca — que, apesar de ser localizado em Jaboatão dos Guararapes, foi acordado que seria tocado pela Prefeitura do Recife — no Cabo de Santo Agostinho, Petrolina, Buíque, Aguazinha (Olinda), Mirueira (Paulista) e Ipojuca, pelas respectivas gestões. Todos seguem sob monitoramento, segundo a CPRH, e ainda não apresentam condições de serem ocupados.
Viana, explica que mesmo após a área de um antigo lixão ser recuperada, não é indicado que seja utilizada para moradia, mas pode se tornar um parque público, por exemplo, “desde que não traga prejuízo à população”. “Moradia precisa ter base firme, o que é prejudicada pelo descarte. Então a casa poderia ter problemas estruturais.” Confira no que as gestões pretendem transformar cada um dos espaços.
“Até hoje 23 municípios protocolaram seu PRAD. No governo do estado, temos intenção de contribuir de alguma forma para recuperar essas áreas, mas fizemos uma opção de incidir, primeiramente, com recursos para investir no fechamento dos lixões, na ampliação de aterros e da coleta seletiva e na construção de galpões de triagem e fortalecimento das cooperativas. Em um segundo momento, devemos fazer uma remediação mais forte das áreas degradadas pelos lixões”, disse Edilson Silva, assessor da Secretaria de Meio Ambiente de Pernambuco (Semas-PE).
Coleta seletiva ainda deficitária
O Brasil está longe de cumprir integralmente o que exige o Plano Nacional de Resíduos Sólidos. Além da utilização de aterros sanitários, a lei traz a necessidade dos municípios implementarem a coleta seletiva. A engenheira Bárbara Cavalcanti, representante do Fórum de Lixo e Cidadania, pontua que, hoje, a maioria dos municípios de Pernambuco continua a levar todo tipo de lixo para os aterros. “A lei diz que só rejeitos que não podem mais ser recuperados podem ir para aterros”, pontua.
Em Pernambuco, a média de reciclagem é entre 2,5% e 3% do total de resíduos, segundo o governo. A média é semelhante a nacional, mas ainda longe do ideal, já que em torno de 30% do lixo produzido no país tem potencial para ser reutilizado. Isso se deve em parte pela inoperância de políticas públicas para instruir a população a começar esse processo dentro de casa. “A coleta não chega a todos, nem todo mundo sabe que existe. Precisamos mudar essa cultura”, pontua.
Essa é uma preocupação da aposentada Maria das Graças Ferreira, de 58 anos, que adquiriu o hábito de separar o material reciclável em 2015 ainda quando morava em São Paulo, porque o caminhão de coleta passava toda semana. Ao se mudar para Belo Jardim, no Agreste de Pernambuco, no entanto, se deparou com um cenário diferente. “Não temos essa facilidade, aqui não é divulgado. Só conheço um ponto que recebe. Uma vez por semana eu vou lá de carro e deixo os pacotes”, disse.
O cenário é admitido pela própria Secretaria de Meio Ambiente do Estado, que aponta que o Estado precisa “avançar muito nas usinas de compostagem, para produção de adubo e para diminuir a produção de chorume nos aterros sanitários, assim como precisamos avançar na instalação de biodigestores para geração de biogás a partir desses resíduos”.
Falta apoio às cooperativas
Outro componente essencial para a destinação correta do lixo é o catador. Ele quem vai recolher o material, beneficiá-lo e vendê-lo à indústria, fazendo a economia girar e ajudando no reaproveitamento do resíduo. Com o findar de lixões, esses trabalhadores são orientados a organizar em cooperativas, que devem ter o apoio dos municípios – o que, segundo o representante do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis em Pernambuco, José Cardoso, ainda é insuficiente em todo o Estado.
“As prefeituras nos colocam em pequenos galpões alugados, com péssimos espaços, e ainda precisamos arcar com os impostos, luz e água quando já ganhamos o mínimo. Há diversos catadores em situação de rua, porque não conseguem se sustentar. É um mercado muito promissor, mas falta o apoio do gestor público para ter instalações e equipamentos dignos em todos os municípios”, contou ele.
Atualmente, Pernambuco conta com 63 associações de catadores formalizadas, sendo 31 na Região Metropolitana do Recife e 32 no interior do Estado. Segundo Edilson, o governo do estado irá distribuir, neste ano, 55 equipamentos, como prensas e balanças, para fortalecer as cooperativas, além de construir e recuperar 10 pátios de compostagem para tratar o resíduo orgânico, assim como 13 galpões de triagem
Por Katarina Moraes/JC
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