As últimas declarações do ex-presidente Luiz Inácio Lula Silva provocaram temor no círculo do líder petista de que ele enfrente desgaste junto aos eleitores neste período de pré-campanha. Foram consideradas preocupantes, pela ordem, as falas em defesa do aborto por uma questão de saúde pública, sobre a ostentação da classe média brasileira e sobre a intenção de retirar 8 mil militares que ocupam cargos de confiança no governo.
De forma reservada, aliados avaliam que as declarações foram fruto de uma mistura de excesso de confiança e de deslizes provocados pelo cansaço em virtude da rotina intensa da viagem da semana passada ao Rio e à Bahia. O petista lidera as pesquisas de intenção de voto. As visitas aos dois estados na semana passada foram marcadas por celebrações e jantares que se estenderam noite adentro em casa de artistas como Chico Buarque e Daniela Mercury.
O que mais chamou a atenção foi que as declarações ocorreram em discursos e debates e não em entrevistas. Nenhum dos temas foi colocado diretamente para Lula. Foi ele que optou espontaneamente por abordá-los em dois eventos, um na sede da Central Única dos Trabalhadores (CUT) na última segunda-feira e outro na Fundação Perseu Abramo, o braço acadêmico do PT, na terça-feira.
Há um entendimento de que o ex-presidente, ao contrário do que acontecia em suas outras campanhas, tem poucas pessoas no seu núcleo mais próximo com liberdade para apontar seus erros.
Além das falas, um outro episódio recente considerado problemático por dirigentes petistas foi o do uso de um relógio na festa de aniversário de cem anos do PCdoB, em Niterói, no dia 26. Foto publicada nas redes sociais pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann, mostrava Lula com um relógio da marca suíça Piaget. Bolsonaristas e o ex-juiz Sergio Moro atacaram o petista. Um modelo novo da marca custaria até R$ 80 mil. Até recentemente, o ex-presidente não tinha o hábito de usar relógio regularmente.
Entre as declarações recentes, a que é vista com mais potencial para causar estrago é sobre o aborto, porque pode desgastar o petista entre os evangélicos. O PT vem tentando reestabelecer pontes com essa parcela do eleitorado, que em 2018 votou de forma maciça em Jair Bolsonaro. Em um debate com o ex-presidente do Parlamento Europeu, o alemão Martin Schulz, Lula disse que o aborto “deveria ser transformado numa questão de saúde pública, e todo mundo ter direito e não ter vergonha”. O ex-presidente já havia tratado do tema, em setembro do ano passado, ao participar de um podcast com o rapper Mano Brown.
O pastor Paulo Marcelo Schallenberger, que tem ajudado Lula a construir pontes com os evangélicos, prevê que a declaração será explorada por pastores aliados de Bolsonaro durante a campanha.
— Foi mal colocada, atrapalha, mas sei que ele ainda vai corrigir a maneira que falou.
Schallenberger acredita que dentro do contexto colocado por Lula no debate é possível ver que ele estava fazendo uma comparação entre a forma como o aborto é tratado na Alemanha e no Brasil. O pastor diz que o petista já deixou claro que pessoalmente não defende o aborto, mas que como chefe de Estado tem que tratar o tema como uma questão de saúde pública.
A ênfase dada a Lula a temas que agradam à ala progressista da classe média é colocada pelos petistas na conta da noiva do ex-presidente, a socióloga Rosângela da Silva, a Janja, que tem tido participação intensa na organização da campanha.
No mesmo debate em que falou do aborto, Lula disse que a “elite brasileira é escravista” e que a classe média do país “ostenta um padrão de vida que nenhum lugar do mundo a classe média ostenta”. A declaração pode atrapalhar o movimento que tem sido feito para conquistar parcela dos eleitores que não demonstram simpatia pelo PT.
Em relação aos militares, aliados avaliam que a retirada de representantes das Forças Armadas do governo não precisava ser tratada de forma direita neste momento
O Globo
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