A disputa ao Palácio do Planalto mais longa e polarizada da história chega finalmente à reta final. Às vésperas do primeiro turno, no domingo 2, o favoritismo está com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O petista investiu pesado em uma campanha de voto útil com o objetivo de antecipar a vitória e, ao longo da semana decisiva, aproximou-se da meta de alcançar mais de 50% dos votos válidos, embora dentro da margem de erro dos institutos, o que deve deixar em suspense até quase o último minuto a definição. Seu principal rival, o presidente Jair Bolsonaro, reagiu aumentando a dose de caneladas no adversário, com menções explícitas à enorme lista de casos de corrupção dos governos petistas. Lula revidou os ataques mirando um dos pontos mais suspeitos da multiplicação do patrimônio da família presidencial, realizada em boa parte à base da compra de imóveis com dinheiro vivo.
Apesar da escalada na troca de acusações, as pesquisas mostram que, embora a corrupção seja um tema importante na decisão de voto, os eleitores estão muito mais preocupados com questões urgentes do dia a dia, como o desemprego e a inflação. Numa campanha presidencial que bateu recordes de superficialidade nos debates, os candidatos não se aprofundaram em propostas para a área. Ficaram também praticamente fora dos debates outros problemas graves, como as dificuldades do SUS e o enorme déficit educacional deixado pela pandemia. Baixada a poeira da disputa, o vencedor terá de deparar com essas e outras questões num cenário bastante adverso. “Será preciso pacificar o país e criar condições para a retomada do crescimento econômico”, afirma o cientista político Bolívar Lamounier. A seguir, confira quais são os dez desafios mais urgentes do país para os próximos anos.
Líder nas pesquisas, Lula passou a campanha toda se esquivando de detalhar o que pretende fazer para colocar o Brasil nos trilhos do crescimento. Nos palanques, repetiu a promessa de trazer de volta a prosperidade dos tempos de seu governo, há quase vinte anos, quando as condições internas e mundiais eram outras. O ministro da Economia, Paulo Guedes, fazendo às vezes de garoto-propaganda de Bolsonaro, caprichou também num discurso vago, falando apenas em mais liberalismo e menos impostos. Perfeito, mas em que frentes? A superficialidade do debate preocupa no Brasil que, segundo as projeções do mercado financeiro, corre o risco de só recuperar o nível de crescimento pré-crises (recessão 2015-2016 e pandemia) em 2024. Um dos problemas urgentes a ser enfrentados é o da inflação. Ela segue muito elevada — e deve continuar acima de 5% em 2023 —, corroendo o poder de compra e a capacidade de o PIB evoluir com um forte impulso do consumo interno. Além de políticas que promovam ganhos de produtividade, é preciso restabelecer a austeridade e a responsabilidade fiscal. Nesse aspecto, a desmoralização do teto de gastos públicos feita no governo Bolsonaro é outro dilema a ser enfrentado. Se depender de Lula, corre-se o risco de o problema nunca ser resolvido, caso ele leve adiante o que vem prometendo na campanha. “Acabou o teto de gastos quando eu for presidente”, afirmou ele na quadra da Portela, do Rio. A campanha petista vem tentando minimizar esse tipo de gesto, dizendo que certamente será criado um novo regime fiscal, mas sem entrar em detalhes do que exatamente está em estudo. Segundo o ex-ministro Maílson da Nóbrega, o próximo presidente precisará reequilibrar as contas públicas, o que envolve cortar gastos em pessoal, Previdência, saúde, educação e programas sociais. “Eu não vejo em nenhum dos candidatos essa disposição”, afirma. “E não resolver esses problemas condenará o Brasil a seguir medíocre no crescimento econômico e ter a pior crise fiscal dos últimos anos”, completa.
Reduzir a desigualdade
Uma das cenas marcantes da campanha foram as imagens produzidas em diferentes cidades do país de pessoas fazendo fila para pegar ossos em açougues. São retratos de um drama nacional que se agravou nos últimos anos e ilustrados por dois números vexatórios: 10 milhões de desempregados e mais de 30 milhões de pessoas assoladas pela fome. Pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mapeou o que os eleitores acreditam ser as medidas mais urgentes na área econômica. Geração de empregos liderou a sondagem, citada por 44% dos entrevistados. Na sequência, aparecem redução da desigualdade social e da pobreza (26%), redução de impostos (26%) e combate à inflação (24%). As preocupações parecem ilustrar assertivamente um cenário de vulnerabilidade social e de deterioração de renda, em que milhões ainda dependem de programas sociais do governo. Em setembro, os beneficiários do Auxílio Brasil chegaram a 20,65 milhões de brasileiros. O adicional de 200 reais — que fez com que o benefício atingisse o valor mensal de 600 reais — terá vigência até dezembro e acabou criando uma demanda cujo suprimento será uma incógnita a partir do ano que vem. “As demandas vão continuar, o que traz desafios fiscais para o governo”, alerta Joelson Sampaio, economista e professor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas de São Paulo. Os principais candidatos prometem manter o programa de renda básica, mas, até o momento, nenhum deles explicou em detalhes como fará para acomodar essa conta no Orçamento.
Realizar as reformas
A discussão sobre o papel do Estado na economia também é uma das questões que o próximo governante terá de enfrentar. Se, por um lado, o governo Bolsonaro entregou reformas importantes, como a da Previdência, por outro, mudanças consideradas igualmente necessárias ficaram pelo caminho, como as reformas administrativa e tributária. Ambas são fundamentais para determinar quanto vai custar e quem vai pagar o estado que emergirá no novo governo. No caso da tributária, Geraldo Alckmin (PSB), o vice de Lula, já prometeu capitaneá-la nos seis primeiros meses de um eventual governo. A mesma sinalização foi dada por Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central na gestão de Lula, que declarou apoio ao petista. Ele já deixou claro que a reformulação do sistema de impostos do país é vital para a retomada do crescimento. Outra questão central são as privatizações. O ministro da Economia, Paulo Guedes, prometeu acelerar as desestatizações em um eventual segundo mandato de Bolsonaro, enquanto Lula vai no sentido oposto, já tendo declarado ser contra a privatização da Petrobras e dos bancos oficiais. É verdade que o presidente conseguiu vitórias nesse campo, como a venda da Eletrobras, mas o programa caminha muito aquém da velocidade necessária
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